O movimento histórico conhecido como a Reforma do Século 16
ocorreu há quase 500 anos, iniciado quando Martinho Lutero, em 31 de outubro de
1517, pregou 95 teses, ou declarações, na porta da catedral de Wittenberg, que
pastoreava. Lutero foi um homem que atravessou uma profunda experiência de
conversão, pela qual teve os olhos abertos à simplicidade dos ensinamentos
contidos na Bíblia. Comparando esses ensinamentos com o que era pregado e
praticado na igreja dos seus dias, Lutero encontrou diferenças marcantes. Ele
verificou como, ao longo do tempo, distorções haviam sido introduzidas, de tal
forma que o povo era conservado em ignorância espiritual, privado das verdades
reveladas na Palavra de Deus que podem levar à salvação. Os reformadores
(Lutero e os que se seguiram a ele) procuraram resgatar a mensagem que salva e
que pode levar os homens de volta ao seu destino original, reconciliando
pecadores com o Deus santo que rege os céus e a terra.
Os historiadores têm, normalmente, identificado quatro
pilares da Reforma do Século 16. Quatro temas principais que dominaram os
escritos e ensinamentos dos reformadores, por serem essenciais à propagação da
sã doutrina. Esses “pilares” são normalmente identificados por palavras
latinas, não tão difíceis de compreender: Sola Scriptura, Sola Gratia, Sola
Fide e Solus Christus. Vamos identificar esses significados e ver a relação
deles, um para com os outros, bem como a razão da Reforma ter se concentrado
nesses temas.
Sola Scriptura, significando que somente as Escrituras
providenciam a fonte do nosso conhecimento religioso, das coisas espirituais
cujo conhecimento é essencial à compreensão da vida. Essa era uma ênfase necessária,
pois a igreja havia incorporado muitas doutrinas que não procediam da Bíblia,
mas meramente de tradições humanas. Questões tais como culto às imagens, a
existência do purgatório, etc., faziam parte das doutrinas ensinadas ao povo.
Os reformadores, investigaram e deram um sonoro “não” a esse ensino e à
consideração da “tradição” como fonte de autoridade igual ou superior à Palavra
de Deus. Eles consideraram, corretamente, que isso era mortal para a saúde
espiritual de qualquer um e da própria igreja.
Sola Gratia, significando que somente a Graça de Deus é a
origem da nossa salvação. Na época da reforma, e mesmo nos nossos dias a
tendência humana é a de exaltar a habilidade humana de salvar-se a si mesmo. Os
reformadores apontaram que a Bíblia indica sem sombra de dúvidas que somente a
graça de Deus, o favor não merecido da parte dele, origina um meio de salvação.
Estamos todos mortos em delitos e pecados e, conseqüentemente, nada podemos
fazer para nossa própria salvação. A iniciativa, de providenciar um plano de
salvação, é de Deus e dele procedem todas as providências, nesse sentido.
Sola Fide, significando que somente a Fé é o meio pelo qual
nos apropriamos da salvação efetivada por Cristo Jesus para o seu povo. Se a
iniciativa da salvação é a graça de Deus, a Fé representa a resposta a essa
iniciativa. Essa ênfase, extraída da Bíblia, era muito necessária, pois
enfatizava-se as ações humanas como forma de se adquirir a salvação. Vendiam-se
indulgências – pedaços de papel que, segundo os vendedores, representavam uma
espécie de passaporte para o céu. Quanto mais se contribuía, mais certeza se
obtinha, diziam eles, do perdão de pecados – do próprio comprador ou de
parentes ou amigos que desejava beneficiar. Lutero e os demais reformadores, não
encontraram qualquer base para esses ensinamentos nas Escrituras. Eles
identificaram a Fé como sendo a resposta humana, provocada pelo toque
regenerador do Espírito Santo de Deus, no processo de salvação.
Solus Christus, significando que somente Cristo é a base da
nossa salvação. Somos salvos somente pelos méritos e pelo sacrifício de Cristo
e não com base em qualquer outra situação ou ação humana. Cristo é o nosso
único intermediário – assim a Bíblia especifica – e isso contrasta com tudo o
que se ensinava, e ainda se ensina, relacionado com a intermediação de Maria e
de outros “santos”.
Além dos “quatro pilares”, acima explicados, adiciona-se
normalmente mais um: Soli Deo Gloria– Glória a Deus somente, significando o
propósito da existência de nossas pessoas e de tudo o que temos ao nosso redor.
Essa ênfase, igualmente bíblica, foi surgindo com o trabalho dos reformadores
que se seguiram a Lutero, especialmente com o de João Calvino, que ensinou a
doutrina da vocação – o chamado de Deus para que nos envolvamos em todos os
aspectos da vida, sempre centralizando nossas ações na glória que é devida a
Deus. Deus fez todas as coisas para sua própria glória e nos enquadramos em
nossa finalidade e encontramos a felicidade quando abraçamos esse ensino em nossas
vidas.
No meio desses pontos cardeais, dessas ênfases centrais nas
doutrinas bíblicas, é interessante notarmos que Martinho Lutero considerava a
questão da fé: Sola Fide – Somente a Fé, como sendo aquela ênfase crucial, que
devia ser propagada e defendida a qualquer custo. Obviamente que, para ele,
todas as demais eram importantes, mas com a questão da fé – como único e
exclusivo meio pelo qual nos apropriamos da salvação – ele tinha um cuidado
todo especial. Possivelmente isso ocorreu porque foi estudando a doutrina da fé
que ele foi atingido pela contundência da mensagem divina de salvação. Lutero,
atribulado porque estava acostumado a ouvir a pregação das indulgências, ou a
validade de relíquias e amuletos, como meios de se tornar agradável a Deus, identificou-se
como “um pecador perante Deus com a consciência atribulada”. Ele estudava a
carta de Paulo aos Romanos, mais especificamente o capítulo 3, quando se
deparou com a declaração: “o justo viverá pela fé”, no verso 28. Lutero
escreveu o seguinte: “...então eu compreendi que a justiça de Deus é o
fundamento de direito pelo qual, pela graça e pela misericórdia, ele nos
justifica através da fé. Imediatamente eu me senti como se tivesse atravessado
uma porta aberta e penetrado no paraíso”.
Assim, a justificação pela fé passou a ser uma das doutrinas
centrais dos que abraçaram a fé reformada, que ficaram historicamente
conhecidos como “protestantes”. Lutero escreveu, ainda: “esta doutrina é a
principal e a angular. Somente ela gera, nutre, constrói, preserva e defende a
igreja de Deus; sem ela a igreja de Deus não sobreviverá por uma hora”. O
ensinamento bíblico, principalmente contido no terceiro capítulo de Romanos,
sobre a justificação pela fé, não significa que nós somos considerados justos
com base na fé. A base de nossa justificação é Cristo e o seu sacrifício na
cruz, com a subseqüente vitória da morte, obtida em sua ressurreição. Somos
salvos, portanto, pela Graça de Deus, por meioda fé, com base no trabalho de
Cristo. Explicando o que é justificação, João Calvino nos ensina que ela
“consiste no perdão dos pecados e na imputação da justiça de Cristo”. Uma das
expressões que ele utiliza, é a de que os cristãos são “inseridos na justiça de
Cristo”. Ou seja, não temos justiça própria, mas recebemos a justiça de Cristo
sobre nós.
Na carta de Paulo aos Efésios (capítulo 2, versos 8 a 10),
lemos: “Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é
dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie. Pois somos feitura dele,
criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para
que andássemos nelas”. A fé, aqui mencionada, é essa fé que salva. Aprendemos,
nestes versos, que somos salvos somente pela graça proveniente de um Deus
soberano. A fé, é o meio – “mediante a fé”. Mas note que não temos qualquer
razão ou motivo de nos orgulharmos de termos exercitados fé. Nem temos qualquer
prerrogativa ou direitos perante Deus. Somente exercemos a fé, porque ela é dom
de Deus. Ele é que nos concede esse meio de resposta ao seu toque salvador.
Aprendemos, também, que a salvação não vem das obras – não podemos nos
orgulhar, ou nos gloriar, das nossas ações, pois elas não levam à salvação. No
entanto, somos instruídos sobre o verdadeiro relacionamento entre graça, fé e
obras (ações). Não existe graça verdadeira, sem a respectiva fé que salva. Não
existe fé salvadora, sem as evidências dessa salvação, dessa transformação de
vida – as obras, as ações de mérito, representadas pelo cumprimento dos
mandamentos e das diretrizes divinas contidas nas Escrituras e que existem
“para que andemos nelas”.
Essa é a fé que salva. A fé que não é simplesmente uma
manifestação mística em algumas coisas. Muitos têm fé sincera em objetos que
não podem salvar – em ídolos, em ritos de umbanda, em espíritos desencarnados.
Mesmo em sinceridade, essa fé leva à perdição. Somente a fé em Cristo Jesus é
fé salvadora (Atos 4.12: “E não há salvação em nenhum outro; porque abaixo do
céu não existe nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo qual importa que
sejamos salvos”). A fé que salva é conseqüência natural da graça. A fé que
salva não é incompatível com as obras, mas as obras são uma conseqüência
necessária a essa fé. Há quase 500 anos os reformadores entenderam isso e
resgataram essa doutrina que não estava sendo ensinada e se encontrava velada
debaixo do entulho de tradição humana que a havia soterrado. Você entende que
essa fé é o único meio para a sua salvação?
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe aqui seu comentário: